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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O FUSCA DA FAMÍLIA


Meu pai tinha um fusca. Durante mais de vinte anos andei com ele naquele pequeno carro que era a cara da nossa família. Sempre cabia mais alguém. Como filho mais velho, lembro de ter o banco de trás só para mim durante algum tempo. Deitava sobre as caixas de som e ficava sobre a janela traseira, encantado com as estrelas enquanto voltávamos de noite da casa de uma tia, irmã da minha mãe. Já com uns 5 anos meu pai me sentava no colo e me deixava guiar sobre seus cuidados, uns dois quarteirões. Eram bons tempos.

Com a chegada da minha irmã do meio, o banco de trás já não era tão grande. Dividia espaço com bonecas e doces espalhados, o que se estendeu até a nossa irmã mais nova chegar, 7 anos depois de um, 4 anos depois da outra. Alias o meio era um lugar do qual eu nunca faria parte e fazia questão de não caber. Não queria. Nunca coube. Parte das dores na coluna da minha mãe talvez ainda sejam por causa dos meus joelhos enterrados em suas costas. Certas vezes entravam mais pessoas como meu avô ou minha avó. Primos também se aventuravam no colo de alguém, o que colocava 7 ou 8 pessoas fácil lá dentro. Tenso, mas divertido.

Fato que viramos adolescentes mimados que se espremiam envergonhados no mesmo banco de trás. Nessa fase, confesso, jurava não fazer mais parte do volks do meu pai. Eu havia ficado muito “melhor” do que aquele velho carro comprado de segunda mão de uma japonesa simpática que ainda me lembro bem. Lembro também de algum tipo de chacota, bobagem de moleques da escola. Sempre eles, sempre aqueles invejosos com o melhor carro e o pior pai. O contrário de mim, que andava num carro simples, mas com o melhor pai do mundo.

E esse carro era parte dele, acho que ainda é. Mesmo enquanto todo mundo dizia que ele precisava de um veículo maior, um “carro de verdade”, talvez sem grana ou por pura falta de vontade, o velho Fusca sempre teve prioridade, garagem exclusiva, era um VW. Polido em casa, limpo até onde dava, revisado pelo mesmo mecânico eternamente. De fazer inveja a outros apaixonados, que por onde quer que a gente passasse, os caras ficavam sempre encantados. Mas os anos judiaram bastante do velho carro redondo, daquela nave espacial branca com rodas modernosas instaladas depois de um rolo feito em 96.

Nessa história, um dia o Fusca do seu Rodolfo foi embora, veio um Fox. Bonito, confiável como ele sempre disse que eram os outros carros da mesma marca. Opinião de motorista profissional e registrado. Talvez o mais apaixonado. Mês passado, visitando meus pais no interior, estava na cozinha com minha irmã mais nova, quando reconhecemos da rua um ruído familiar. Logo em seguida parou um Fusca branco no portão de casa. Igualzinho. Era um amigo do vizinho, apenas. Na nostalgia de alguns segundos, nos olhamos bem no fundo dos olhos e sorrimos. Acho que o que passou pela cabeça da gente foi a lembrança de alguém da família que não estava mais ali, mas que foi bom enquanto esteve com a gente.



3 comentários:

Janete Hackl disse...

Eternas lembranças Cris. Toda vez que ele passa em frente ao posto da polícia estadual em Iporã, onde seu novo dono trabalha fica ele a procurar. E não só ele mas eu e suas irmãs também. O fusca continua igual! Mas não com as mesmas histórias vividas por nós nestes 25 anos que nos serviu.
Seu pai vai querer ele de volta.

Anônimo disse...

Owwwwwwnn que buni ^^
Meu pai tinha Brasílias hahahaha mas é quase a mesma história :P
Só não revi ainda uma brasília nos últimos tempos :P

Alan disse...

Sensacionaaal esse texto Cris.
Nossa, passaram milhares de momentos da minha vida na minha frente neste momento. Dentro de fuscas que meu pai ja teve.
Incrível meu caro...parabéns por esse por tantos outros textos que eu ja li e "viajei" com eles.
Grande abraço