jantar pra dois
o homem de meia idade chega ao bistrô, os passos ecoam no chão de pedra da calçada antiga, cada um carregando o peso dos dias que já passaram. o terno casual se ajusta ao corpo como quem já está acostumado a rotinas inquebráveis. ele não precisaria ter reservado, mas fez questão. duas cadeiras, uma mesa para dois, dispostas como se o tempo não tivesse avançado.
a conversa começa fácil, leve, repleta de memórias. “lembra quando pedimos aquele vinho que quase derrubamos na mesa? a gente riu tanto”, ele comenta, tentando puxar o fio de algo familiar. a mulher à sua frente esboça um sorriso tímido, mas há uma distância no olhar dela que ele tenta ignorar. o garçom traz o cardápio, e, por um momento, hesita ao colocar os dois exemplares sobre a mesa. os dedos do garçom tremem levemente, mas ele rapidamente se recompõe e sai, quase apressado.
o homem abre o cardápio com uma familiaridade automática, mas o ambiente ao redor parece mais quieto do que deveria. ele lança um olhar rápido ao redor e percebe alguns olhares desviados, como se os outros clientes estivessem cientes de algo que ele não estava. “estranho, sempre foi mais movimentado aqui nas quintas...”, ele comenta, mais para si mesmo.
a mulher olha ao redor, um pouco distraída, como se o lugar fosse novo para ela, embora já tivessem ido ali incontáveis vezes. “talvez devêssemos escolher outro lugar da próxima vez”, ela sugere, a voz quase um sussurro, mas as palavras soam pesadas, fora de lugar. ele franze a testa, confuso.
"outro lugar? este sempre foi o nosso... por que mudar agora?" ele pergunta, a tensão começando a se acumular em suas palavras. o garçom reaparece com o parmigiana, suas mãos um pouco trêmulas ao colocá-lo no centro da mesa. ele dá uma olhada rápida na cadeira vazia à frente do homem, um olhar que parece conter mais do que deveria.
"talvez as coisas não sejam mais como antes", ela responde com uma calma inquietante, enquanto passa os olhos pelo bistrô como se estivesse observando tudo pela primeira vez. o silêncio entre eles cresce, e, ao redor, o som dos talheres e das conversas parece diminuir a cada segundo, como se todos ao redor estivessem esperando por algo.
ele pega o garfo, corta um pedaço da comida, mas o sabor não vem. é como mastigar lembranças, algo que foi mas não é mais. ele para por um instante, olhando para o prato, para ela. “não sei... tudo parece igual pra mim.”
os outros clientes, que antes riam e conversavam, agora parecem imersos em um silêncio estranho, os olhares fixos, mas nunca diretamente para eles. a atmosfera muda, pesada, e o homem começa a sentir o ar mais denso, como se respirar exigisse mais esforço. ele tenta puxar a conversa de volta, mas algo no silêncio dela o faz parar.
então, ele percebe.
desde o início, estava sozinho. a cadeira à sua frente sempre esteve vazia. as palavras que saíam de sua boca flutuavam no ar, sem destino. cada garfada que ele pensava estar dividindo era só sua. o parmigiana esfriava, imóvel, enquanto ele afundava lentamente na verdade. a mulher não estava ali. talvez nunca tivesse estado, não naquela noite.
ele pede a conta. os garçons não dizem nada, apenas o observam com a mesma tristeza distante de quem já entendeu tudo antes dele. as mãos dele tremem levemente enquanto paga. a realidade o alcança, mas não o destrói. ele agradece e sai. logo em seguida, puxa o celular do bolso. a vida continua, e ele começa a procurar um novo lugar para reservar.